[ENTREVISTA] Pedro Barroso
Porque os Grandes Tributos se fazem em Vida, o Eclectismo Musical presta homenagem a Pedro Barroso, um dos maiores Autores portugueses, com uma entrevista muito especial. Trovador de excelência, com mais de 40 anos de carreira, sempre com um espírito interventivo, acutilante e possuidor de uma mordaz ironia, a sua vida corre na tranquilidade de Riachos (Ribatejo), mas sem nunca deixar de ser um atento observador de tudo o que se passa nos nossos tempos.
Professor, fisioterapeuta, escritor, poeta, pintor, artista plástico, Músico, numa palavra, Iluminado. Sem meias palavras, sempre sem medo de dizer o que pensa, Pedro Barroso respondeu, com a frontalidade de sempre, às questões colocadas pelo Eclectismo Musical.
Ainda que tendo a consciência de não ser este um nome conhecido da maioria dos seus leitores, o Eclectismo Musical considerou que a Obra e o Homem, justificavam cabalmente este momento que, esperamos, sirva também precisamente para mais pessoas procurarem conhecer a extraordinária Obra deste grande Senhor da Arte em Portugal.
Eclectismo Musical (EM): Com pragmatismo, ainda que com algum sentimento de enorme injustiça, teremos que dizer que o Pedro Barroso (O trovador, já que existe um outro mediático via "morangadas” da TV) é um perfeito desconhecido para as novas gerações. O que diria a estes jovens (e outros nem tanto) sobre o seu legado?
Pedro Barroso: Venham assistir a um concerto meu e ficarão a saber como comunico e que recados trago na bagagem e na poesia que faço. Normalmente no fim vêm confessar a sua surpresa e ficam seduzidos, pois tenho tido provas de ser transversal e intergeracional.
EM: Para alguns (infinitamente redutores) o Pedro Barroso é o cantor popular da “perninha da menina”, para outros, uma espécie de eremita afastado dos círculos sociais, quem é realmente o Pedro Barroso depois de mais de 40 anos de carreira?
Pedro Barroso: O menos «perninha da menina» que é possível – que nem faz normalmente parte do alinhamento dos concertos…- pois toda a minha obra de há 30 anos a esta parte é dedicada ao sonho de um mundo melhor, mais humano, mais solidário, ao amor pela história, às artes infinitas da intimidade e da ternura, ao erotismo, à intervenção - não panfletária, mas outrossim atenta e sempre procurando semânticas da inteligência e da sensibilidade…
EM: Considera que o seu espírito inconformista, de constante intervenção social, por vezes mesmo de crítica mordaz, bem como a conotação política que lhe está associada desde os tempos das campanhas de dinamização cultural organizadas pelo MFA e posteriores intervenções cívicas, marcou, limitou e condicionou significativamente a sua carreira e a forma como as pessoas o vêem?
Pedro Barroso: Estou no ponto de vida e de carreira em que me estou absolutamente a afastar do que pensem e dos alinhamentos recomendáveis. Sou, existo e intervenho criticamente – basta. O meu corrosivo livro "o país pimba" é muito explicativo sobre isso. A ironia é uma arma letal. Um problema é que os verdadeiramente estúpidos e medíocres não a entendem. E os verdadeiramente culpáveis e corruptos percebem que é com eles, mas já perderam a vergonha há muito tempo.
Mas direi que sim – se tivesse aceitado condições político partidárias ou qualquer outro tipo de arregimentação visível ou oculta, provavelmente seria o ícone que a espaços referenciam em mim os verdadeiramente livres e independentes de critério, como vejo nos comentários que de mim fazem no youtube. Assim, sou um desconhecido, que para uns milhares de pessoas de sensibilidade é quase um guru da diferença e para os outros é absolutamente ninguém.
EM: Ou seja, tal como por exemplo um Sílvio Rodriguez ou um Vítor Jara, ainda que com níveis de participação e história conjectural substancialmente diferentes, considera que dissociar a arte e o artista, das suas convicções políticas, é um exercício exequível? Ou, por outro lado, é uma tentativa que nem sequer faz sentido?
Pedro Barroso: Eu tenho dificuldades em controlar o Pedro Chora, o meu heterónimo pintor, por exemplo. O homem é louco e arrojado, não tenho mão nele… e muitas vezes acontece-me o mesmo com o Barroso, tenho de o travar para não ser tão chato e excessivamente palavroso gongórico e criptado na sua erudição. Sou cooperativista mas também sou pela propriedade privada. Não há partido em que me reveja e nas eleições esse meu não alinhamento diverte-me imenso, respondo apenas perante a minha consciência. Mas uma boa canção sobre a ternura humana, o entendimento da montanha, o sonho do futuro, não pode ter peias nem emblemas ou nunca seria livre
Nos antípodas, o artista engajado a uma força politica concreta, fica condenado a uma espécie de disciplina criativa e temática que, peço desculpa, mas, me repugna.
EM: O Pedro dizia, em 1999, que "Vivemos dias cinzentos. Dá vontade de voltar à canção de intervenção com ironia e rigor poético". Perante a actual situação do País, para além de iniciativas como a manifestação «facebook», onde marcou presença, considera possível voltar à canção de intervenção?
Pedro Barroso: Toda a canção pensada de forma profunda reflecte e faz parte da estrutura de onde nasce, isto é, a nação onde vive e cresceu a ideia criativa. Grande parte dos políticos actuais são aldrabões e oportunistas e não prestam. Precisam de ser enxotados e desconfiam dos homens da cultura como cães perigosos que podem expor a sua incompetência. Ser culto é uma forma de intervir – eles sabem disso e não gostam. Não é preciso uma canção dizer mata e esfola. Basta ter profundidade, tema, inteligência, humanidade, visão livre das coisas e ideias e já estará a ser de “intervenção” Mas que isto está a precisar de outro sistema e outra nomenclatura… está sim senhor!
EM: A propósito, qual considera ser o «estado d'arte» da música feita em Portugal?
Pedro Barroso: Sei pouco do que se faz e não gosto da maior parte das porcarias que ouço na rádio e vejo na TV. Aprendi com o ZECA, fiz palco também com o Fanhais; o Adriano; Janita; o Vitorino; o Julio Pereira; o Fausto; o Tordo; o Carlos Mendes; o Paulo; o António Macedo. Bebi inspiração na Barbara; no Brel; no Becaud; no Aznavour; na Piaf; no Cohen; no Pete Seeger, eu sei lá quem é esta gente que hoje comanda os prémios e o tempo de antena todo que anda por aí…Nem quero saber, é-me indiferente! Vingo-me assim – eles não sabem quem eu sou e eu raramente também sei quem são estes modernos…
EM: No entanto, a sua carreira é muito mais do que apenas músicas de intervenção ou de alerta e consciencialização social. Bastará recordar meia dúzia de canções de Amor, com «Menina dos olhos d’água» à cabeça e o peso da Mulher na sua Arte, na música, nos poemas, nos livros, na pintura (enquanto Pedro Chora, o "pré-verso") O Pedro é um eterno apaixonado?
Pedro Barroso: Gosto muito de alguns animais lindíssimos que há na natureza, sim. Entre eles o tigre da Sibéria, o cavalo lusitano e obviamente, a fêmea do homem – esse espanto da sedução e do capricho, esse ser da tesão e da beleza que é a mulher - quando sabe sê-lo… perdoem-me o humor, claro…
Uma mulher bonita fura a eternidade e faz poesia por si. Sou um enorme admirador. Assumo.
EM: Em 1987 escreveu: “é tão difícil encontrar pessoas assim bonitas / é tão difícil encontrar pessoas assim pessoas” (Música: Bonita) De lá para cá, o balanço que faz das pessoas que foi conhecendo é mais positivo ou mais negativo?
Pedro Barroso: Estão mais bonitas por fora. Fazem plásticas, piercings e depilam-se e tudo. Elas e eles. Mas por dentro… ai que longe de serem o que é preciso…eu é que aprendi talvez a seleccionar melhor quem me entra na intimidade.
EM: Vive na sua casa de Riachos na tranquilidade do campo, afastado dos grandes centros (“e digam por favor de onde nasce o sol/que eu basta-me o calor – para lá me voltarei”) A solidão da criação e da fruição dos dias é fascínio, opção ou, passe a expressão, falta de paciência para pessoas?
Pedro Barroso: Muita falta de pachorra. E sou exclusivo e muito secreto também. Não facilito muito, confesso, a intrusão nos meus espaços. Gosto imenso de estar sossegado e fazer muito pouco. Por exemplo tenho imensa arte - escultura e pintura sobretudo - nas minhas casas. Se a pessoa que a visita não perceber as paredes que está a ver, para quê fazer amizade com um imbecil? Se não entende os recados que estão numa canção, e me disser apenas que está muito bem cantada e que tenho uma bela voz, para quê discutir com ela as intenções que presidiram à canção? Tenho lados de mim que são muito, muito selectivos e só experts poderão penetrar. Se o conseguirem fazer, ok, são suficientemente inteligentes e cúmplices para merecerem a minha amizade. Se não me percebem, então por favor também não me chateiem. Sou muito preguiçoso e gosto imenso.
EM: Depois do «dramático» anúncio do final de 2010 sobre o seu abandono dos palcos, a verdade é que, em 2011, continua a poder ver-se, ainda que esporadicamente, o Pedro em concerto. Foram «os amigos» a convence-lo ou continua a sentir “fome de palco”?
Pedro Barroso: Eu disse que terminava os grandes concertos, os de mais de duas horas sem intervalo. E acabei. Hoje faço concertos de uma hora. E trabalho o menos que posso. Mas o palco nunca se recusa, é um sitio mágico onde vivi os melhores momentos da minha vida.
EM: Em 2009 gravou «Esperança» com a Tuna de Veteranos de Viana do Castelo. Como surgiu o convite?
Pedro Barroso: Eles contactaram-me, tinham uma versão; senti curiosidade e fui. Ficamos muito amigos.
EM: Perante a excelência e riqueza da sua obra, o exercício de escolher os seus melhores poema é algo extremamente difícil e ingrato. No entanto, «Excesso» é provavelmente a sua canção mais íntima, a que mais provoca “cócegas na alma”. Partilha desta visão? O criador consegue preferir algum dos seus “filhos”?
Pedro Barroso: "Nah" Há tantas coisas que gosto que era impossível. Mas há canções que ainda hoje me arrepiam e outras que me espanto como consegui fazê-las.
Pedro Barroso: "Nah" Há tantas coisas que gosto que era impossível. Mas há canções que ainda hoje me arrepiam e outras que me espanto como consegui fazê-las.
EM: Uma curiosidade, enquanto professor, orador e comunicador de excelência, o que lhe parece o presente Acordo Ortográfico, a que, alguns, chamam de Novo?
Pedro Barroso: Um disparate sem sentido, com cedências que nem muitos intelectuais brasileiros compreendem!
EM: Que nome colocaria no seu "Festival de Música" ideal?
Pedro Barroso: "Esqueça tudo o que ouviu", talvez...ou "Vamos cantar baixinho", sei lá...
EM: O que está a criar neste momento? Podemos esperar algum material novo nos próximos tempos?
Pedro Barroso: Deve chamar-se "itinerários do amor e da revolta"e está em gravação mas avança lentamente …talvez para o fim do ano se tudo correr bem.
EM: Que mensagem deixaria às gerações mais jovens sobre o Futuro?
Pedro Barroso: Leiam, fascinem-se procurem. Ouçam as coisas que ninguém ouve; e nunca achem que muito barulho equivale a muita razão - nem na politica nem na música. Sonhem muito. Vivam o vosso tempo e a vossa idade. Amem muito mas busquem o fundo do mar e o pico da montanha. Ouçam o Barroso, já agora, escondidos ao fim da noite, nem que seja em grupos clandestinos. Abracem o futuro com ganas de mudança. Criem outros políticos e outro sistema. Sejam sempre livres por dentro, que é o sitio certo para nunca ser agrilhoado.
"Nunca é tarde para sonhar..." Obrigado Pedro!
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